04/01/2012

Foda-se, mesmo

Não sei se é um facto, se uma sugestão dos tempos, se um erro de perceção, mas tenho sido confrontado por uma quantidade absurda de pedintes. O que fazer perante o pedido de esmola é uma velha questão não resolvida para muita gente. Sobretudo para quem não decidiu, por razões religiosas, dar sempre; ou para quem, invocando a obrigação do Estado em ajudar, decidiu nunca dar. Nunca aderi a nenhuma. Fui navegando erraticamente no assunto (detestando firmemente aquelas pessoas que dão e condicionam a oferta com uma pergunta sobre o uso do dinheiro, num moralismo de bradar aos... céus). Mas os tempos de guerra que vivemos obrigam a repensar este assunto. Já é certo que assistimos à destruição do Estado-providência. E certo é que assistimos ao ressurgimento do discurso caritativo e assistencialista por parte dos conservadores. Assim como é provavelmente certo que o número de pessoas indigentes vai aumentar - ou terá mesmo já aumentado. Será agora (ironia: com o rendimento seriamente diminuído) que começarei a dar? E fá-lo-ei sistematicamente? Em nome de uma solidariedade perante a ausência de solidariedade como princípio político e social? Ou será agora que - again, sistematicamente - não darei? Em nome de um "apelo à revolta", de um deixar "agudizar as contradições"? Não sei, não faço ideia. A impotência parece ser o sentimento destes tempos de guerra. E perante o gesto de dar, como perante o gesto de não dar, ambos experimentados nos últimos dias, o espanto perante a frequência de queixas furiosas dos pedintes, vertidas em "foda-ses" expressivos e sonoros. Foda-se, mesmo.

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