03/02/2012

O português™ dos na©ionalistas

Tenho feito algum esforço para perceber as resistências ao acordo ortográfico. Compreendo as de ordem pragmática. Há caso em que certas palavras ficam ambíguas. Todavia, este argumento não serve. Não só porque as mudanças são manifestamente poucas, mas sobretudo porque queixas do mesmo tipo não foram feitas em relação a ambiguidades anteriores (olha, esta mesma palavra, ambiguidade, que bem podia ter um trema no u, como vai deixar de ter no Brasil após o Acordo...). Compreendo em parte as de ordem estética (pouco presentes no debate), já que as identificações afetivas com uma língua também se fazem através do aspeto gráfico. Mas isso são amendoins. Os "argumentos" mais usados têm sido outros. E acho detestável o que revelam. Assentam na ideia proprietária da língua (nós - portugueses - somos os donos da língua) que não tem como não ser vista como "colonialista" e totalmente avessa a noções básicas de história e antropologia. E assentam no fantasma da liderança brasileira da língua em termos geopolíticos - quando esta é simplesmente um facto, resultante da demografia e da economia. São argumentos que radicam em atitudes simultaneamente provincianas e nacionalistas. Ainda se fosse só isso... Revelam também ignorância sobre a relevância - que é pouca, de ordem convencional - da ortografia no que à língua diz respeito. E revelam as contradições dos discursos elogiantes do Brasil como resultado da expansão portuguesa: só tem interesse admirar o Brasil para poder dizer que a língua portuguesa é das mais faladas no mundo; só tem interesse falar bem do Brasil para elogiar a "gesta" portuguesa. De resto, o que eles falam por lá mais não é de que um crioulo de segunda. Os elogios são mais que muitos - desde que o lugar original, genealógico e patriarcal de Portugal seja preservado.

O Acordo não é perfeito. Mas faz duas coisas fundamentais: por um lado limpa uma série de tralhas atrapalhadoras (algumas eu já nem usava, antes do Acordo...); por outro cria uma norma comum que facilita a expansão, afirmação, ensino e publicação da e na língua escrita no mundo. Não mexe na fala, não mexe na semântica, não mexe no contexto, não mexe na pluralidade e na dinâmica de constante transformação.



3 comentários:

  1. MVA, você deve ser daqueles antropólogos portugueses apologistas da mensagem que o Brasil é o «futuro».

    O que rende é o Brasil, como dizia uma destacada antropóloga portuguesa, que tentava obrigar os seus alunos a trabalhar temas relativos ao Brasil, como temas de teses de mestrado.

    Infelizmente ela é bastante medíocre. Um pouco à imagem do meio académico da nossa disciplina e da classe docente, que ocupa há quase vinte anos os mesmos lugares.

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  2. Eu por acaso é há mais de 20 e, considerando as várias provas e avaliações, não me considero medíocre. (Mas que grande volta que o seu argumento dá, do acordo ortográfico à universidade portuguesa :-))

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  3. O que é certo é que os últimos livros que li, já impressos com o novo acordo ortográfico, só a meio da sua leitura é que dei pela diferença, tão imbuído na leitura que estava.

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