23/03/2012

Estranha narrativa

A narrativa destes tempos da nossa crise tem três ingredientes enigmáticos. O primeiro é a continuação do "vamos bater no Sócrates", bem (e muitas vezes nojentamente) dirigida por muita comunicação social e pelo discurso do governo. O segundo é a elevação da troika e do memorandum a força da natureza, incontornável como a chuva. O terceiro é a inocência quase beatífica com que a imagem de Passos Coelho e do seu governo é construída. O resultado disto é o triunfo do discurso da inevitabilidade e do apelo ao "rememos todos para o mesmo lado". Isto permite várias coisas. Permite que o projeto político da direita se faça tranquilamente sem custos políticos, sem parecer ser o resultado de uma opção sua. Permite que o exercício do poder se faça de forma crescentemente antidemocrática (veja-se o esvaziamento do estado, ou a ação policial na greve geral). E permite (ou faz com que) a oposição morra - sobretudo o PS, que nunca contrapõe ao histerismo antisocrático dados sobre os governos PSD anteriores e que aceita acriticamente qualquer referência do governo à assinatura do memorando. Como o enquistamento, no pensamento e na ação, do PC continua, e o BE há muito que morreu ao tentar ser PC, ficamos desasados perante uma tragédia bem maior do que a crise financeira: o princípio do fim da democracia tal como a conhecemos. Tudo tem a aparência de ausência de poder. Só que o poder tem horror ao vazio. We'd better watch out.

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