ISTO PODIA TER SIDO UM SÍTIO DECENTE
Costumo dizer: este país tinha todas as condições para ser
um lugar decente. Vejamos. Graças ao 25 de abril conseguimos coisas preciosas:
voltar às fronteiras do país pequeno, sem o peso iníquo das colónias; recuperar a
democracia; entrar no projeto europeu. Ficámos neste retângulo e ilhas, de
fronteiras estáveis há muito tempo e um certo tipo de homogeneidade que é
aquela que conta – a noção descansada de estar num sítio que não precisa de
se afirmar constantemente. (A outra homogeneidade, a “étnica” ou linguística,
pouco me interessa). Dez milhões de pessoas não é nada. É fácil de administrar.
Ora, com dez milhões, um território pequeno, democracia, e o apoio europeu, o
que costumo dizer é isto: não há desculpa para não ter feito disto um sítio
mais decente.
O que é um sítio decente? Bem, um sítio onde reina a
transparência democrática; onde reina o princípio da igualdade de
oportunidades; onde se constrói e sustenta um estado social baseado na
solidariedade; e onde se incentiva a liberdade e a criatividade nas e das
pessoas. Convém dizer que avançámos muito nesse sentido: na qualidade de vida,
na paz e democracia, na saúde, na qualificação das pessoas, na energia, na
criação de nichos económicos virados para fora e para a criação de valor
acrescentado. Temos mais recursos do que pensamos e mesmo aqueles que podem
parecer desinteressantes, como o turismo, podem ser criativa e qualitativamente
utilizados de outras formas. Quando alguém falava de Portugal como a possível
West Coast da Europa até que nem estava a dizer disparate nenhum. Estava cá
quase tudo para isso e o que faltava – por exemplo a aposta na ciência , na
educação, na cultura – estava a ser feito, e basicamente bem.
Tivemos o vislumbre disto em alguns momentos, com alguns
governos e, sobretudo, com a ação de algumas pessoas, empresas, universidades,
meios, forças, movimentos. Em contracorrente disto tivemos sempre as forças
da... reação. (Que outra expressão usar, sim, que outra?). As forças da
canibalização do estado pelos interesses privados, do sistema da cunha e do
compadrio, da drive do dinheiro fácil
e não produtivo, do desprezo absoluto pelas desigualdades sociais, essas travaram
a possibilidade que tínhamos. E essas forças podem ser designadas como
“cavaquistas”, o universo da betoneira empreiteira, do diploma fácil, da
especulação financeira, da trapaça. Forças que contaminaram também vastos
sectores do PS, infelizmente.
[Um capanga da JSD dirige-se um dia a uma professora universitária e pergunta-lhe como teve ela o descaramento de lhe dar uma má nota naquela "porcaria de cadeira". O mesmo capanga inepto faz a sua carreira oportunista no partido e nos governos. Pavoneia-se alcoolizado, inchado e prematuramente envelhecido no Parlamento, onde diz alarvidades. É um infeliz, mas um infeliz enriquecido sem trabalho nem mérito. É o infeliz que ganhou]
E infelizmente a reação ganhou. Não lhe interessa a
educação, o conhecimento, o ambiente, a solidariedade como criadores da
decência que depois permite o crescimento económico enquanto preocupação política global e não mera acumulação
estéril por alguns. A contracorrente ganhou e está feliz no seu novo projeto global, onde mistura narrativas
grandiosas sobre a História nacional e a língua com os negócios com as novas
oligarquias das ex-colónias. Está-se igualmente nas tintas para a Europa, para
a participação ativa e crítica na renovação, bem precisa, do projeto europeu.
Apenas apanha a boleia do pior que os piores setores europeus exigem: o plano
da troika, exacerbado pelos executores nacionais, mais papistas que o papa,
mais reacionários que a reação.
Esfrangalharam a hipótese de um local decente para 10 milhões
de pessoas e para todos e todas que cá quisessem viver e contribuir com ideias,
trabalho, crianças, vida. Nós sonhávamos com a West Coast, eles com um Katrina
sobre New Orleans. Ganharam. They’re
feasting on our souls.
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
ResponderEliminarAinda vai tornar-se um imenso Portugal !
(Fado Tropical, Chico Buarque).
kein Land,mein süßer liebling Miguel
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